Como atenção e autogestão de crianças podem influenciar suas tomadas de decisões na vida adulta

22/12/2021 09:05:20 Author: Rodrigo Oliveira
 
        O comportamento humano é muito complexo e é resultado de uma variedade de fatores. Um comportamento específico, pode ser definido a partir de fatores genéticos (dependendo da expressividade ou não de um gene responsável por um comportamento inato), de fatores ambientais (relacionado com aprendizagem ao longo da vida) ou fatores relacionados a ambos (como é o caso da epigenética, onde fatores ambientais influenciam fenótipos do comportamento). Um exemplo disso, é a influência negativa de ambientes privados de estímulos positivos cognitivos, como uma ausência de base educacional durante a infância, por exemplo, que geram alterações cerebrais estruturais e funcionais durante todo o desenvolvimento do indivíduo.  Sabendo dessa grande importância das influências ambientais na formação cognitiva comportamental de um indivíduo, é imprescindível desenvolvermos ao máximo durante a sua infância a capacidade de lidar com esses estímulos de forma independente e autocentrada. 


    É nesse contexto que surge o conceito de autogestão, uma competência socioemocional humana  que indica a capacidade de ser organizado, esforçado, ter objetivos claros e saber como alcançá-los de maneira ética. Relaciona-se à habilidade de fazer escolhas na vida profissional, pessoal ou social, estimulando a liberdade e a autonomia. Quem é capaz de exercer mais a autogestão apresenta-se como alguém mais disciplinado, perseverante, eficiente e orientado para suas metas. Pessoas com autogestão bem desenvolvida têm mais facilidade em estruturar e gerenciar com cuidado e antecedência suas atividades. São pontuais, organizados e lidam bem com o tempo para se alcançar seus objetivos. Trabalhos realizados com crianças normais e autistas mostram que o estímulo da autogestão sem transferência de responsabilidade dos pais melhoram as habilidades sociais e comportamentos disruptivos futuros das mesmas, além de ajudar na melhora do tratamento de doenças crônicas e na resolução de problemas sociais durante a adolescência. Fatores importantes que auxiliam o estímulo da autogestão em crianças é o processo implícito da percepção e atenção, que visam intensificar esse autogerenciamento e que deve ser desenvolvido de forma natural seletiva pelo próprio indivíduo.
 
  A atenção é um processo cognitivo, ou função cerebral que tem como principal função alocar o processamento cognitivo em direção a um estímulo, seja ele de ordem visual, auditiva, ou relacionado a algum outro sentido. Ou seja, a atenção direciona qual informação é mais relevante dentre os diversos inputs sensoriais que ocorrem ao mesmo tempo do estímulo. Estudos mostraram que crianças com transtorno de déficit de atenção têm maior probabilidade de desenvolver problemas psicológicos no futuro, como sintomas depressivos quando comparado com crianças normais, ou seja, pode existir uma possível relação entre o desenvolvimento da atenção reduzida na infância e possíveis problemas psicológicos. Sabendo disso, a autogestão associada a um trabalho acurado de percepção e atenção durante a infância podem garantir na vida adulta uma potencialização de aspectos nos âmbitos cognitivo, social, emocional, cultural, entre outros, demonstrando a importância da criação de um modelo atencional de autogestão implícito. Para isso, é muito importante que o desenvolvimento desse modelo atencional de autogestão seja de forma mais implícita possível, ou seja, livre de qualquer influência de construção social externa, respeitando a própria forma de construção desse modelo do próprio indivíduo a partir de uma aprendizagem implícita. A aprendizagem implícita é a aquisição de conhecimento que acontece independente das tentativas conscientes para aprender, ocorrendo na ausência de qualquer conhecimento explícito que já tenha sido adquirido, sendo difícil de ser verbalizada de forma consciente e acontece sem deliberação do sujeito e de forma  independente da idade, do desenvolvimento, da cultura e da instrução formal. A aprendizagem implícita é comumente vista em crianças enquanto aprendem a falar sua língua nativa sem aprender a gramática. No aspecto atencional, a aprendizagem implícita se difere da explicita justamente pela não possibilidade da manipulação do foco de forma consciente no processo de aprendizagem. Dessa forma, tentar trabalhar atenção em um processo de aprendizagem implícita se torna um desafio. Se uma criança for condicionada a uma influência educacional, social, cultural e política específica e restrita, provavelmente ela também terá capacidades relacionadas à aprendizagem e compreensão de mundo limitadas quando adulta. Isso pode ser justificado pelo fato de que a ideia da moral e valores éticos variam com o espaço (região do planeta) e tempo (época), tendo um conceito e julgamento do que socialmente pode ser considerado "certo" e "errado" totalmente relativo. outro detalhe importante, é a faixa etária ideal das crianças que pode ser realizada a aplicação desse modelo de autogestão e atencional implícito, que poderia ser até os cinco anos de idade, pois essa fase se caracteriza pelo período de "poda sináptica". 


     A poda sináptica (imagem abaixo) é um fenômeno neurofisiológico natural que ocorre entre a primeira infância e se estende até a vida adulta. Aos 12 meses o cérebro do bebê chega a possuir o dobro de sinapses do cérebro adulto para o mesmo número de neurônios. É entre 2 a 3 anos que ocorre o pico da poda sináptica na fase da infância, onde cérebro elimina sinapses extras que não são mais necessárias, ou seja, é uma fase intimamente modulada pelos estímulos externos, onde a criança começa a desenvolver seus aspectos cognitivos de forma focal de acordo com sua vivência social e cultural. Além disso, esse maior número de sinapses na infância quando comparado a fase adulta, favorecem o processo de aprendizagem. Porém, essa facilidade de aprendizado faz com que várias emoções diferentes sejam geradas com maior facilidade, e isso junto com o não desenvolvimento completo do pré-frontal dificulta o processo de racionalização nessa fase. Dessa forma, a criação de um modelo atencional implícito, ou seja, um modelo que vise desenvolver técnicas de atenção que facilitem a autogestão durante a infância se torna imprescindível para o melhor desenvolvimento de suas competências de forma independente. Com isso, espera-se que na vida adulta essas crianças possuam melhores capacidades individuais que se manifestam nos modos comportamentais de pensar (processar), sentir e gerar atitudes a partir de estímulos ambientais sociais, ou seja,  gerar um padrão frequente otimizado de ação e reação frente a estímulos de ordem pessoal e social.



Desenho experimental
 
     Para criação de um modelo de autogestão atencional implícito é importante que o mesmo seja testado experimentalmente para uma futura aplicação prática. Aqui, sugerimos um desenho experimental para esse propósito. Para isso precisamos definir uma intervenção que estimule de forma implícita a autogestão com uma base atencional. Essa intervenção atencional implícita de autogestão (IAIA) deve estimular crianças de 2 até 5 anos a criarem sua própria percepção de vida no cunho individual e social, livre de qualquer preconceito e definições de condutas certas ou erradas, incentivando a autogestão. Isso pode ser possível a partir de atividades, jogos e brincadeiras que estimulem a criação das próprias regras e ideias. Situações diárias e resolução de problemas como escolha de roupas, objetos, cores, brinquedos e comportamentos livre de predileções e influências externas de forma totalmente independente também devem ser  estimuladas. Apresentação de vídeos e animações com conteúdos que possam oferecer um conhecimento amplo sem foco cultural e moral também podem ser implementados nesse tipo de intervenção do modelo implícito de autogestão. Para realização do experimento, pode ser investigado as alterações de atividade elétricas hemodinâmicas cerebrais através de avaliações eletroencefalográficas (EEG) e de Espectroscopia de infravermelho próximo (NIRS), respectivamente (Imagem abaixo 1). Trabalhos realizados com EEG e aprendizagem implícita também mostraram um aumento da potência da banda Alfa, particularmente na frequência de 10 Hz, durante uma tarefa de atenção focada em crianças, podendo ser associada à supressão de informações irrelevantes para a tarefa. Outros trabalhos realizados com NIRS localizou maior atividade cerebral principalmente no giro frontal inferior esquerdo do córtex pré-frontal dorsolateralcórtex frontotemporal direito e no córtex pré-frontal ventrolateral esquerdo, associado a um estado de alerta elevado. Assim, podemos avaliar 4 grupos: Grupo 1 (crianças com IAIA), Grupo 2 (adultos com IAIA), Grupo 3 (crianças sem IAIA), Grupo 4 (adultos sem IAIA).Todos os grupos realizariam inicialmente uma avaliação inicial cognitiva de aprendizagem implícita, atenção e autogestão, seguido de uma intervenção atencional implícita de autogestão como propomos por algumas semanas. Durante cada intervenção, também seria interessante acompanhar as alterações de EEG  e NIRS ao decorrer de cada atividade. Após o período de intervenção, uma nova avaliação final similar a avaliação inicial seria realizada novamente (imagem abaixo 2). É importante que o trabalho seja realizado com crianças de 2 a 5 anos de idade que de famílias de múltiplas culturas e ideais na tentativa de excluir viés de influência externa na construção cognitiva.
 
Imagem 1




Imagem 2



Referencias:
 
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Rodrigo Oliveira

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