Um dos maiores mistérios da vida é o que acontece após a morte. Ocorre algum processo místico de passagem ou simplesmente acontece o que muita gente teme, o simples e complexo "nada". Essas respostas a neurociências não consegue explicar, mas o que acontece com nosso sistema nervoso durante o processo de morte é algo que já se tem respaldo científico. Mas quais são os processos cognitivos envolvidos nesse processo? Podemos realmente ter um brainstorm de memórias passadas nesse momento tão fúnebre que é a morte? Isso discutiremos aqui.

      Um estudo de 2022  realizado durante uma avaliação de eletroencefalograma (EEG) em um paciente de 87 anos com epilepsia que inesperavelmente sofreu uma parada cardíaca e hematoma subdural traumático foi a óbito mostrou  padrões de ondas rítmicas semelhantes às do sono ou da meditação, sendo um possível indicador de que lembranças da vida podem ser resgatadas nos últimos segundos de vida. Após parada cardíaca as potências das ondas delta, beta,  alfa e gama foram diminuídas, porém uma porcentagem relativa maior da potência de gama foi observada.  O acoplamento de frequência cruzada revelou modulação da atividade gama do hemisfério esquerdo pelos ritmos alfa e teta em todas as janelas, mesmo após a interrupção do fluxo sanguíneo cerebral. O acoplamento mais forte é observado para a atividade gama de banda estreita e larga pelas ondas alfa durante a supressão do lado esquerdo e após a parada cardíaca. Apesar da influência da lesão neuronal e do hematoma subdural (Indicado nas setas da imagem ao lado), esses dados fornecem a primeira evidência de que o cérebro humano pode possuir a capacidade de gerar atividade neuronal coordenada durante o período próximo da morte.  Apesar da não comprovação evidente nesse trabalho, existe uma grande possibilidade dessas atividades coordenadas gerarem uma ativação de memórias passadas, visto a similaridade de atividade eletrofisiológicas com atividades que demandam ativação e processamento de memórias, como é o caso de um forte acoplamento teta-gama em CA1 do hipocampo (Imagem abaixo) por exemplo.


Outras vertentes da neurociência que podem ajudar na explicação desse fato. No momento da morte, neurotransmissores no cérebro, mais frequentemente as endorfinas ou outros opióides endógenos (também liberados sob estresse como a situação de morte iminente, por exemplo) podem ter relação com o alívio da dor e sensação de bem-estar, o que também pode ser observado em uma experiência de quase morte (EQM). Um modelo mais abrangente sugere que um agente endógeno neuroprotetor similar à quetamina também pode ser liberado nessas condições, provocando sentimentos de se estar fora do corpo e algumas sensações associadas a lembranças episódicas passadas,  por exemplo. Também existe a possibilidade de que essas memórias recrutadas no momento da morte sejam “memórias  boas”, visto que o nosso cérebro tem uma tendência automática de evitar a consciência de sua mortalidade. Outro trabalho realizado com magnetoencefalografia(MEG), por exemplo, mostrou que o cérebro apresenta a essa resposta automática de previsão da morte eliminada quando as palavras de morte e as representações de auto-face são acopladas, mas permanece presente quando acoplada a outra face ou a palavras negativas. Isso ainda demonstra  uma ligação funcional entre como a morte impacta a auto-imagem versus a outra imagem,mostrando que o cérebro prevê o medo da morte. Mesmo sabendo que vamos morrer, temos uma espécie de “proteção” para não entrarmos em uma crise existencial, o que pode incluir impedir lembranças ruins no momento próximo ou durante a morte.  

     Apesar de todos esses achados promissores convergirem a conclusão de que o momento da morte pode ser um processo que desencadeia memórias passadas boas ou que pode gerar um possível bem estar gerado por um “mecanismo de proteção", ainda se faz necessário de novas trabalhos que abordem o tema com maior objetividade e dados de correlação desses eventos e respostas fisiológicas. Por se tratar de um sujeito/momento experimental difícil de se recrutar, seria interessante a avaliação constante por meio de ferramentas como EEG e NIRS de pacientes em estado terminal a fim de se melhor investigar a atividade cerebral nesse momento tão fúnebre e ao mesmo tempo fascinante que é a morte.
Referências
 
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Brooks, J.L., Zoumpoulaki, A., Bowman, H., 2017. Data-driven region-of-interest selection without inflating Type I error rate. Psychophysiology 54, 100–113
 
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Autor:

Rodrigo Oliveira

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