Constantemente no nosso dia a dia precisamos tomar decisões pessoais menos complexas, como escolher a roupa para sair de casa, ou mais complexas que podem interferir na vida de outras pessoas, como a decisão de um juiz sobre uma sentença de um terceiro por exemplo. Dessa forma, decisões individuais terão impactos coletivos, o que muitas vezes revelará conflitos psicológicos sobre o ‘custo-benefício’ e o peso ‘emocional-racional’ da decisão a ser tomada. Assim, investigar os mecanismos neurocientíficos e filosóficos por trás por trás da tomada de decisão tem se destacado cada vez mais na atualidade, visto o grande interesse social, político e até mesmo econômico que pode ser atribuído a uma tomada de decisão. Nesse contexto, aqui vamos tentar entender como funciona a neurofisiologia da tomada de decisão e quais os principais fatores que podem que atuam na sua modulação a nível social.


     A cognição humana é a base da tomada de decisão, e pode ser definida como uma função psicológica atuante na aquisição do conhecimento que ocorre através de alguns processos, como a percepção, a atenção, associação, memória, raciocínio, juízo, imaginação, pensamento e linguagem. De uma maneira mais simples, podemos dizer que cognição é a forma como o cérebro percebe, aprende, recorda e pensa sobre toda informação captada através do tato, olfato, visão, audição, e gustação, bem como as informações que são disponibilizadas pelo armazenamento da memória, isto é, a cognição processa as informações sensoriais que vem dos estímulos do ambiente que estamos e também processa o conteúdo que retemos em relação às nossas experiências vividas. A partir de todos os estímulos externos advindos dos nossos sistemas sensoriais e processados cognitivamente, podemos ter background para tomar decisões.
 
      A tomada de decisão é um processo cognitivo que resulta na seleção de uma opção entre várias alternativas,  sempre buscando solucionar um problema, geralmente de forma a maximizar os ganhos e minimizar as perdas. Isso requer o funcionamento orquestrado do sistema nervoso na seleção e ponderação dos estímulos aos quais somos expostos e reagir, gerando a ação de optar por um caminho.  É amplamente utilizada para incluir preferência, inferência, classificação e julgamento, quer consciente ou inconsciente. Tomadas de decisão relacionadas a distribuição de recursos disponíveis também são de grande interesse, visto o impacto sócio-político e aos ideais ligados ao senso de justiça. Um experimento que buscou identificar áreas ativadas durante uma tomada de decisão eficiente ou igualitária durante uma distribuição de comida. Em tomadas de decisão mais eficientes, o putamen foi a principal área cerebral ativada, enquanto que em tomadas de decisão mais falhas, a atividade foi maior na região da ínsula. Situações em que a tomada de decisão está relacionada à aceitação ou não de uma condição de injustiça promove uma reação cerebral também. A rejeição de uma oferta considerada injusta leva a maior ativação da ínsula, enquanto que a aceitação está mais ligada à área de controle emocional, como o córtex pré-frontal ventrolateral (VLPFC) e redução da atividade insular. Em suma, é possível perceber a participação de diversas áreas da região frontal cerebral no processo de tomada de decisão. Adicionalmente, áreas mais subcorticais, como amígdala, ínsula e putamen, também exercem papéis importantes no processo (Imagem abaixo). Futuros estudos devem buscar formas de modulação de áreas corticais envolvidas nesse processo, sobretudo em situações patológicas em que a tomada de decisão é o elemento determinante, como distúrbios alimentares, ansiedade e depressão. Além disso, estudos que identifiquem os padrões neurofisiológicos (utilizando EEG e NIRS) da tomada de decisão poderão trazer respostas mais robustas a respeito da dinâmica fisiológica da tomada de decisão
 



     A tomada de decisão depende amplamente dos nossos processos cognitivos prévios, gerando nossas próprias percepções. Nossas vivências prévias, contatos culturais, ideologias, crenças, percepção moral e ética e até mesmo a forma de raciocínio estrutural implementada pela própria sociedade impactam diretamente em nossas escolhas diariamente. Sabe-se que durante a infância o desenvolvimento cognitivo é acompanhado de acordo com estímulos cognitivos externos, podendo haver até modificações estruturais e funcionais cerebrais deletérias se esses estímulos forem limitados. O início da adolescência (12-13 anos) é marcado por uma "poda neuronal" onde as sinapses criadas durante a infância são "selecionadas". As que não são muito utilizadas desaparecem, enquanto as que são mais utilizadas se fortalecem através da mielinização. Dessa forma, uma infância cognitivamente limitada por pré-conceitos socioculturais, se torna mais difícil para uma possível mudança depois da adolescência. Esses pré-conceitos cognitivos instaurados podem resultar muitas vezes em tomadas de decisões instintivamente enviesadas. Porém, se a quantidade de dados (experiências e conhecimento amplo no âmbito relacionado aquela tomada de decisão) são escassos e/ou nossa percepção enviesada fala mais alto, a probabilidade de escolhermos o caminho errado aumenta, tornando-se uma decisão mais intuitiva do que racional. Com base na definição de intuição como um modo de processamento de informação não sequencial, que compreende elementos cognitivos e afetivos e resulta em conhecimento direto sem qualquer uso de raciocínio consciente, pode ser considerada uma forma possível de adquirir conclusões equivocadas a partir da necessidade de resolução rápida de um problema mesmo sem uma quantidade considerável de dados da situação em questão. Nesses casos, a ausência de dados pode gerar um "ruído" (uma espécie de viés preditivo falso) que pode ser impulsionado pela intuição, gerando um “pensamento inesperado repentino que resolve problemas ou concluir algo”.  Em contrapartida, quando temos uma maior quantidade de dados (viés preditivo verdadeiro),  podemos gerar “insights”, tornando a tomada de decisão mais consciente e racional das conexões lógicas que suportam uma resposta ou solução particular (aquele momento que “acende a lâmpada") e tudo se torna mais claro em relação a qual alternativa seguir, aumentando a probabilidade de optarmos pela escolha correta.


      Além disso, as respostas emocionais e de estado cerebral no momento também podem contribuir para esse processo. Em um dia que você está mais estressado e preocupado, existe a possibilidade de você optar por uma escolha diferente caso você estivesse em um dia agradável com o humor controlado. Trabalhos realizados com pacientes que sofreram danos cerebrais graves em áreas do cérebro associadas às emoções, mostrou que não apenas os indivíduos se tornam incapazes de exibir certas emoções, mas também se tornam incapazes de tomar decisões que envolvem a estimativa de resultados futuros. Dessa forma, equilíbrio emocional acaba se tornando necessário para uma tomada de decisão mais assertiva. 

    Se tentarmos traçar uma forma de tomar uma decisão regida por regras, normas e leis dentro do estado Laico Democrático e de direito livre de qualquer viés preditivo falso, considerando uma máxima quantidade de dados e acompanhada de equilíbrio emocional, possivelmente conseguiremos aumentar a performance relacionada a escolhas plausíveis. Além disso, tentar aplicar esse tipo de "protocolo" em crianças abaixo de 12-13 anos, antes da poda neural, seria uma possível forma de estimular um processamento cognitivo mais sensível a tomadas de decisões coerentes na vida adulta. Nesse contexto, sabendo da grande importância das influências ambientais na formação cognitiva comportamental de um indivíduo, é importante desenvolvermos o máximo durante a infância de um indivíduo suas competências socioemocionais visando a potencialização de aspectos nos âmbitos cognitivo, social, emocional, cultural, entre outros. Outra possível forma de ampliar os horizontes da tomada de decisão é o uso de microdoses de psicodélicos. Psicodélicos atuam na ampliação da atenção ou significado, fornecendo uma maior possibilidade de desafios criativos e insights, fazendo com que o indivíduo busque novas e menos óbvias linhas de ideação, possuindo maior motivação para explorar novas direções criativas, e consequentemente, aumentando a possibilidade de maior aquisição de dados utilizados para se tomar uma decisão.Trabalhos realizados com micro dosagens (5–10 μg) de dietilamida do ácido lisérgico (LSD) e os cogumelos psilocibina (ou cogumelos mágicos)  mostrou melhora o desempenho cognitivo, humor, criatividade, energia física, relações interpessoais e bem-estar geral em 40% do grupo amostral. Outra possível forma de se ampliar a percepção social em prol do aumento do desempenho cognitivo e que consequentemente pode influenciar na tomada de decisão, é o uso de neuromodulação no intuito de modular a moralidade e comportamentos indevidos. Trabalhos que utilizaram a estimulação anodal do córtex pré-frontal dorsolateral direito e córtex pré-frontal ventrolateral direito reduziu a agressão em homens saudáveis e aumentou atitudes pró-sociais e empáticas, já a catódica teve o efeito reverso. Além disso, observou-se que a aplicação catódica de tDCS poderia modular a junção temporoparietal aumentando a capacidade de vergonha moral. Sabendo de tudo isso e com ausência de trabalhos direcionados à melhora do desempenho da tomada de decisão, é imprescindível a realização de trabalhos que relacionem todos esses fatores ao desempenho cognitivo e à atividade cerebral. 


Desenho experimental


Visto a importância de ampliar nossas percepções e número de dados para uma tomada de decisão mais acurada, e a possibilidade de se alcançar isso através de um protocolo regido por regras, normas e leis dentro do estado Laico Democrático e de direito, seria interessante investigar atividade cerebral (por meio de  EEG e NIRS) acompanhada de uma avaliação do desempenho cognitivo. Trabalhos  realizados com Potencial relacionado ao evento (ERP) de EEG e tomada de decisão demonstraram maiores respostas N1 e N2 no início das condições de interação social,  e maiores respostas de Componente positivo tardio para comportamentos de aproximação e evitação de uma alternativa. Já trabalhos realizados com NIRS mostraram que o grau de estresse no início da vida prediz ativações pré-frontais mediais diminuídas e a mudança de tomada de decisão guiada. Para se investigar esses aspectos, podemos realizar uma avaliação de EEG/NIRS e cognitiva antes e depois das intervenções:  protocolo de tomada de decisão por regras; uso de  tDCS; ou uso de microdosagens de psicodélicos a longo prazo. Dessa, forma, podemos considerar os seguintes grupos: Grupo 1 (tomada de decisão por intuição – nenhum tipo de intervenção), Grupo 2 (Protocolo de tomada de decisão por regras), Grupo 3 (utilização de e tDCS ligado), Grupo 4 (utilização de e tDCS ligado), Grupo 5 (utilização de placebo de psicodélico) Grupo 6 (utilização de psicodélicos) (Imagem abaixo).







Referências:
 
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Autor:

Rodrigo Oliveira

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