Como a atenção pode modular a atividade neuronal ON e OFF de memórias aversivas.

22/12/2021 03:54:34 Author: Rodrigo Oliveira
 
       Neurônios são as principais células do nosso sistema nervoso responsáveis pela transmissão de sinais elétricos e químicos que podem ser traduzidos e interpretados em múltiplas funções cognitivas e neurofisiológicas. Os neurônios podem obedecer padrões específicos de atividade dependendo do comportamento ou função cerebral a ser desempenhada. Nesse sistema, os neurônios podem ser classificados como On ou Off, onde essas células desenvolvem um mecanismo modulatório a partir de sinapses excitatórias ou inibitórias, consecutivamente, para expressão funcional específica. As sinapses excitatórias ocorrem quando o neurotransmissor envolvido produz um sinal na membrana do neurônio pós-sináptico de despolarização, iniciando assim um potencial de ação. Já a sinapse inibitória o neurotransmissor envolvido produz resposta de hiperpolarização da membrana do neurônio pós-sináptico, o que dificulta a despolarização, consequentemente inibindo o surgimento de qualquer potencial de ação (Imagem abaixo). Esse mecanismo de “chave liga e desliga” está presente em diversos mecanismos neurofisiológicos, como memória, cognição, controle motor, expressão de emoções e sono, por exemplo.

Figura adaptada de Silverthorn, Dee Unglaub. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. Artmed editora, 2010.

 
       Trabalhos também demonstraram a importância desse mecanismo no processo de resposta ao medo e da importância da modulação na atividade desses neurônios para o processo de controle cognitivo diante de situações que induzam esse tipo de comportamento, fornecendo uma adaptação em diferentes ambientes. Esse processo acontece principalmente na amígdala, onde uma classe de neurônios chamados de células intercaladas tem um comportamento inibitório (Off) das respostas de medo. Ao contrário dos neurônios intercalados, neurônios localizados na amígdala basolateral possuem conexões com o núcleo central da amígdala que desempenham um papel On, ou seja, são responsáveis por desencadear as respostas de medo e as respostas fisiológicas relacionadas, como aumento da freqüência cardíaca, respiração e condutância da pele, por exemplo. Além da amígdala, regiões corticais como o córtex pré-límbico, infralímbico e o BLA também estão envolvidos nesse processo. Nesse contexto, distúrbios encontrados nesse sistema modulatório neuronal On e Off na resposta ao medo podem gerar alguns tipos de transtornos, como o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).  Esse transtorno é caracterizado pela persistência de sentimentos e pensamentos incômodos relacionados com o evento traumático, fazendo com que a pessoa reviva involuntariamente o evento traumático, podendo apresentar sinais e sintomas como sudorese, náusea e tremores, trazendo, também, prejuízos sociais ao indivíduo. Tudo isso ocorre por algum gatilho externo que pode estimular o sistema On excitatório envolvido com a amígdala e o sistema límbico que faz com que a memória aversiva seja evocada e o indivíduo apresente esses sintomas. o tratamento consiste em psicoterapia, medicamentos como antidepressivos e ansiolíticos. Na psicoterapia de extinção de memória traumáticas ocorre a reexposição do estímulo aversivo, induzido a reconsolidação daquela memória traumática, tornando-a instável e suscetível à adição de novas informações que ressignifique aquela memória evitando respostas emocionais deletérias como medo e ansiedade. Outros tratamentos têm se destacado como auxiliares da psicoterapia, como é o caso da Realidade Virtual (Imagem ao lado), através da terapia de extinção de memórias em um ambiente virtual controlado, e o TMS, que a partir de uma neuromodulação magnética não invasiva junto a exposição de uma situação aversiva pode gerar estímulos inibitórios também ajudando no processo de extinção dessa memória traumática. 

    Nesse contexto, outras formas de psicoterapias que busquem maximizar a extinção de memórias traumáticas têm sido bastante estudadas no intuito de promover maior sucesso no tratamento. Trabalhos mostraram, por exemplo, a importância do enriquecimento de informações no ambiente controlado, onde ratos que foram expostos a ambientes diferentes antes e depois do estímulo aversivo (terapia de extinção), obtiveram mais sucesso na extinção de suas memórias traumáticas, ou seja, mostra que a exposição a simples novidades (como no caso, um ambiente novo) influencia a recordação da informação de outro acontecimento, podendo "mascarar" a memória aversiva. Para esse caso, uma suposta hipótese é que o mecanismo de atenção direcionada aos ambientes diferentes facilita o processo de reconsolidação desse tipo de memória por meio da modulação de sinapses inibitórias (enfraquecendo informações relacionadas ao ambiente aversivo) e excitatórias (fortalecendo informações relacionadas ao ambiente novo associado). A atenção é um processo cognitivo ou função cerebral que tem como principal função alocar o processamento cognitivo em direção a um estímulo, seja ele de ordem visual, auditiva, ou relacionado a algum outro sentido. Ou seja, a atenção direciona qual informação é mais relevante dentre os diversos inputs sensoriais que ocorrem ao mesmo tempo do estímulo.  Trabalhos realizados com Eye tracking (Imagem ao lado) e indivíduos com TEPT mostraram que existe uma atenção sustentada sobre a ameaça decorrente de um evento traumático, o que pode servir como um alvo potencial para intervenção terapêutica, principalmente se associarmos outros estímulos ambientais diferentes que venham desvencilhar a atenção seletiva no evento traumático. Dessa forma, o desenvolvimento de um modelo atencional bem caracterizado utilizando exposição de ambientes não aversivos diferentes antes e depois da psicoterapia de extinção de memórias traumáticas poderia auxiliar na potencialização dos resultados no tratamento da TEPT.



Desenho experimental
      
     Para avaliar a atenção antes, durante e depois da a terapia de extinção de memórias traumáticas com exposição de ambientes diferentes, que chamaremos de Terapia de Extinção de Ambientes Diferentes (TEAD),  seria importante utilizarmos o  Eyetracking, visto a sua interessante função de captação do movimento ocular e consequente inferência de foco do sujeito no ambiente em que ele está inserido. Podemos associar a investigação desses parâmetros com a atividade elétrica e hemodinâmica do cérebro através da eletroencefalograma (EEG) e Espectroscopia de infravermelho próximo (NIRS), respectivamente. Trabalhos realizados com EEG mostraram que indivíduos com TEPT apresentam alteração da atividade eletrofisiológica cerebral quando apresentados  ao estímulo traumático, onde foi encontrado diminuição do power global nas bandas de delta, teta e beta de banda baixa , além do aumento do comprimento de onda aumentado em teta e beta de banda baixa, sendo as alterações em teta relacionadas a re-experiência e as alterações em beta de banda baixa relacionadas com com ansiedade e intensidade da dor. Já trabalhos realizados com NIRS e indivíduos com TEPT mostraram  diminuição de ativações hemodinâmicas nas região do córtex pré-frontal lateral esquerdo durante uma tarefa cognitiva de Stroop (palavra-cor), podendo demonstrar que esse tipo de trauma também pode afetar a memória de trabalho e processamento cognitivo. Assim, podemos avaliar 4 grupos distintos: Grupo 1 (indivíduos sem TEPT e sem intervenção de TEAD), Grupo 2  (indivíduos sem TEPT e com intervenção de TEAD), Grupo 3 (indivíduos com TEPT e sem intervenção de TEAD), Grupo 4 (indivíduos com TEPT e com intervenção de TEAD) (Imagem abaixo).  Todos os grupos realizariam uma avaliação inicial e final de foco e atenção seletiva (através do eyetracking) e de atividade cerebral (por meio de EEG  e NIRS)  e avaliação subjetiva das emoções, visto a importância do emocional no processo de evocação de memórias traumáticas. O principal objetivo da realização desse desenho experimental é descobrir se a terapia de extinção de ambientes dIferentes (TEAD) se destaca no âmbito clínico como uma melhor forma de favorecer a realocação da atenção seletiva exacerbada do ambiente traumático para os ambientes novos apresentados antes e depois da reexposição do estímulo aversivo. 
 


 
 
Referências: 


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Rodrigo Oliveira

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